terça-feira, 15 de novembro de 2011

“A MORTE DO NASCIMENTO”

Trecho a seguir de um capitulo do livro The Ecology of Commerce, de Paul Hawken, citado por Ray C. Ardeson, no livro “LIÇÕES DE UM EMPRESÁRIO RADICAL”, editora Cultrix (2010).


A morte do nascimento
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Guarda Costeira dos Estados Unidos operava uma estação de rádio na Ilha de St. Matthew. As condições atmosféricas eram péssimas, e manter o suprimento de comida nas bases era arriscado. Alguém decidiu fazer um estoque de alimentos de emergência na ilha importando e soltando 29 renas – número calculado por um biólogo especializado em caça e pesca como estando dentro da “capacidade biótica máxima” da ilha.
Todo criador entende a capacidade biótica máxima: se você deixar um número excessivo de vacas pastar no seu pasto, logo você não terá mais pasto (e a propósito, nem vacas). É do interesse do criador manter o equilíbrio entre o seu rebanho, a chuva e a grama. Enquanto fizer isso, ele terá uma fonte sustentável de leite e carne.
O mesmo se aplica as renas na Ilha de St. Matthew. Desde que o equilíbrio ente os animais e o que eles comem – principalmente líquen e arbustos de salgueiro – fosse mantido, a ilha teria um estoque inesgotável de carne no freezer. Se as tempestades mantivessem afastados os navios de abastecimento, os homens poderiam matar uma rena para jantar.
Transportadas em uma barcaça da Ilha Nunivak para lá, essas 29 renas se viram em um verdadeiro paraíso – densos grupos de arbustos de salgueiros e vastos e ininterruptos tapetes de líquen com 10 centímetros de espessura. Não havia nem lobos nem ursos. Nenhum predador, exceto os homens do posto da Guarda Costeira. Quando a guerra acabou, a base foi fechada e o último predador partiu.
Esse mesmo biólogo especializado em caça e pesca voltou à ilha 12 anos depois e descobriu que as 29 renas originais tinham se transformado em 1.350, número levemente menor do que os seus colegas tinham calculado como a capacidade máxima biótica da ilha. Os animais estavam gordos e pareciam gozar de excelente saúde. Mas ele também notou que os tapetes de líquen estavam começando a parecer um pouco mais finos.
A Ilha de St. Matthew ficava tão distante de tudo que ele só voltou a visitá-la seis anos depois. Quando um escaler da Guarda Costeira o deixou novamente na ilha no verão de 1963, e as suas botas tocaram a orla, ele avistou rastros de renas, excrementos de renas e salgueiros pisoteados. E em qualquer direção que olhasse, a única coisa visível eram renas. Naqueles seis anos, os 1.350 animais tinham se transformado em 6.000 – um número bem maior do que a ilha tinha capacidade para suportar, o líquen estava escasso e grandes áreas de tundra estavam vazias. Não é de causar surpresa que os animais não estivessem tão gordos e com uma aparência tão saudável quanto na sua visita anterior.
Outros compromissos o impediram de voltar a ilha por outros três anos. Quando finalmente o fez, em 1966, a ilha que o biólogo encontrou estava praticamente irreconhecível. Os salgueiros haviam desaparecidos. Os últimos tufos de líquen também haviam sumido, mastigados até o cascalho. Esqueletos de renas estavam espalhados por sobre a tundra. Ele só encontrou 42 animais vivos.
O que acontecera? Do ponto de vista biológico, trata-se de um caso clássico de “excesso”. Uma população que havia explodido muito além da capacidade biótica máxima da ilha havia colidido de frente com outra lei de ferro da natureza: não podemos consumir mais do que o ambiente é capaz de renovar. Pode demorar um pouco, mas um dia terrível de ajustes de contas chegará, uma catástrofe que os biólogos chamam de “colapso”.
E foi exatamente o que aconteceu na ilha. Aquelas renas haviam destruído um paraíso livre de predadores. A experiência acidental terminara, e a mais de 30 anos a ilha não conta com a presença de renas vivas. Hoje, o único som que ouvimos na Ilha de St. Matthew é o vento uivando por sobre as rochas áridas, um solo vazio e enlameado, e ossos decorados.
O que acontecera em pequena escala àquela pequena ilha é a mesma coisa que estamos fazendo em grande escala no mundo, com uma importante diferença, explicada por Hawken: “Os recursos usados pelas renas eram gramíneas, arvores e arbustos. Com o tempo eles voltarão. No entanto muito dos recursos que nós exploramos, jamais retornarão”.